Joana Couceiro et al.
Arquitecta, investigadora, professora e ensaísta

Siza Baroque
Álvaro Siza e o Barroco

2017

A · Investigação

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Siza Baroque
Website

https://www.sizabaroque.com

“Siza Barroco” é um projecto de investigação que visa pôr em evidência a relação entre a ideia de Barroco e a obra de Álvaro Siza.

O Barroco é uma tentativa de reconstruir a razão clássica. O Barroco aspira à complexidade própria das coisas difíceis. É assim com a compreensão da trajectória dos planetas em torno do sol (afinal elíptica, em vez da mais simples e central trajectória circular que se julgava perfeita), como o é, igualmente, com a preferência por uma planta elíptica ou oval (a construção liga melhor com a oval que é mais construível, ao contrário da jardinagem que convive bem com o “método de jardineiro” no traçado da elipse; em todo o caso, o Barroco é elíptico e oval, em termos formais, mas, também, conceptuais). O Barroco é a diferença, mas, também, a repetição que permite essa diferença.

A cidade Barroca, isto é, os seus princípios, são simples na formulação: casas que se repetem alinhadas em ruas sempre idênticas (sem revelarem o eu pessoal dos seus habitantes pelo exterior) convivendo com espaços urbanos de excepção (as praças e os largos da cidade) que preparam e anunciam os monumentos que, mais tarde, depois da revolução francesa, seriam substituídos pelos equipamentos. A arquitectura Barroca não é compreensível sem esta ideia de cidade que lhe é subjacente. Por isso, a exuberância Barroca não é homogénea. Por isso, o excesso Barroco não é sempre dirigido para o excesso material, cromático ou ornamental. O excesso também se coloca ao contrário: Menos é mais (Mies).

A preferência pelo mínimo, pelo varietal, pelo monocromático ou pelo desornamentado também é própria do Barroco na arquitectura. Na sua versão mais chã, consubstancia-se pela brancura quase integral, na sua versão mais resplandecente, pela talha dourada. Enquanto tendência na arte em geral e na arquitectura em particular, o Barroco quer construir um mundo novo com base no antigo que este crê não estar preparado para o presente e o futuro que há-de-vir. É por isso que o Barroco não prescinde de uma mundividência comum e partilhável e, nesse sentido, em arquitectura, novidade e tradição renovada, são, não só compatíveis, como, sobretudo e desejavelmente, o caminho pelo qual devemos enveredar.

Alexandre Alves Costa relata como, em Moledo do Minho (Casa Alves Costa, 1964-1968), “a madeira envernizada é inesperadamente pintada em cor idêntica à das paredes. Siza justifica a decisão de última hora: «Tem desenho a mais». De facto, o detalhe não será jamais uma ocasião decorativa…” – conclui então o autor. Este episódio corresponde ao momento em que Siza, por assim dizer, “quebra o verniz” para abandonar, quase definitivamente, pelo exterior, os detalhes sublinhadamente expressivos em madeira à vista que caracterizavam quase toda a sua arquitectura anterior (com excepções assinaláveis na piscina das marés e na casa Manuel Magalhães, por exemplo). E, em alternativa, o que nos propõe Siza em direcção à abstracção que estas duas obras anteriores anunciavam? O branqueamento barroco das alhetas e dos ressaltos (os sucedâneos modernos das escócias, dos listeis e dos astrágalos) que, assim, corresponde à direcção imprimida por Siza ao seu trabalho daí em diante com uma convicção cada vez mais evidente.

Siza é, por tudo isto, cremos, inscritível na mundividência barroca. O que com este projecto se pretende é, justamente, pôr à prova esta possibilidade interpretativa que, a nosso ver, trará ganhos de conhecimento consideráveis na compreensão: do método de projecto de Siza, do seu percurso ao longo do tempo, do metamorfosear da sua obra ao longo desse tempo e da própria metamorfose dos seus projectos (dos primeiros riscos ao desenho da solução comunicada à obra), da artisticidade que coloca e exige aos seus projectos,da obsessão pelo rigor excessivo das suas soluções, do modo como na sua obra o excesso da emoção é caldeado pela razão prática, em suma, o que se pretende é uma melhor e mais profunda compreensão da arquitectura de Siza.

Cientes de que a colocação lado-a-lado da ideia de Barroco e da arquitectura de Álvaro Siza trará também ganhos de conhecimento do lado da revelação do que é afinal o Barroco, cremos, igualmente, que a investigação programada será uma ocasião particularmente fecunda para compreendermos mais e melhor o que tem sido descrito, com certa relutância do autor, enquanto “o génio de Siza”. Desdobrar – à maneira de Deleuze – a obra arquitectónica de Siza e procurar, primeiro, observá-la e, depois, dá-la a ver através de uma lente barroca é o objectivo primeiro e último da investigação proposta.