No livro Porto Brutalista (Circo de Ideias, 2020) a Casa do Conto é publicada entre as demais arquitecturas, colocando-a de novo, quase 10 anos depois do projecto, no centro da nossa reflexão. Em reacção à publicação, escrevi:
Casa do Conto II
Hotel
2011
A · Arquitetura
Durante o projecto e a obra nunca esteve na nossa mente uma ideia de estética brutalista, ou outra.
O que nos movia era tão simplesmente a vontade de voltar a erguer uma arquitectura sucedânea da casa burguesa do séc.XIX, num lote no Porto (como tantos outros), destruída por um incêndio brutal.
A casa que, apesar dessa brutalidade, mantinha a sua integridade perante a cidade.
Era só a fachada, dirão alguns.
Para nós não era só a fachada. Era um lote estreito e comprido, era uma ordem tipológica, era um logradouro e era, também, a fachada: intacta, com o ritmo e a forma dos seus vãos, as suas modinaturas, as cotas de soleira, e as cotas de lage, o azulejo, e a parede espessa de pedra, o granito que nem as chamas foram capazes de derrubar.
Apesar do brutal incêndio, a rua mantinha-se aparentemente igual.
Era só fachada, dirão alguns.
Tratava-se de continuar o que ainda existia (e era muito) sem mimetismos e sem rupturas.
Tratava-se, simplesmente, de continuar o alçado e prolongá-lo para dentro, para o interior do lote, organizando o novo programa em continuidade com o tipo que o antecedia: compartimentos amplos em diálogo com pequenas alcovas, pés direitos altos e variáveis, escada ao centro do lote e posicionada perpendicularmente à entrada, clarabóia no topo, varandas fechadas voltadas para o logradouro.Carlos Marti Aris iria apreciar as variações deste tipo. E sentimos um orgulho envergonhado.
Hoje compreendemos que a Casa do Conto é brutalista na medida em que os princípios definidores desta arquitectura terão sido os meios que encontrámos para continuar aquele lugar sem dar tréguas ao pastiche.
A estética brutalista não é um fim (como pensarão alguns), mas um meio para construir uma arquitectura genuína, com a pedra (agora líquida, um material de hoje, com técnicas de hoje) que, simultaneamente, exibe a actual estrutura do edifício, a memória da antiga estrutura e o carácter dos antigos materiais, agora ausentes: as paredes de tabique, a chapa ondulada dos acrescentos da fachada tardoz, ou o ornamento dos tectos de gesso.
Hoje, o ornamento é textual, uma narrativa que substitui as histórias de cada compartimento antigo (aquelas histórias que se acrescentaram à cor e ao padrão do papel que forrava as paredes).
Hoje, o ornamento acrescenta-se na ausência de material, no baixo-relevo de cada letra inscrita na espessura da própria laje, ou seja, da estrutura. E fomos nós, autores, com as nossas próprias mãos, no estaleiro, a pregar e colar cada letra na cofragem do betão (a mão de obra não era especializada; alguns moldes ficaram, para sempre, fossilizados no betão e o texto, com uma ou outra gralha, denuncia-nos e regozijanos, também).
O betão aparente e com diferentes técnicas de cofragem pareceu-nos, desde muito cedo, a opção mais racional para a reconstrução. O seu comportamento ao tempo (diferenciado: a norte, a sul, no interior, ou no exterior) e no tempo (a sua vida, o seu envelhecimento e, simultaneamente, a sua aparente perenidade), davam forma à ideia de continuar aquela arquitectura.
O que nos interessava, no estirador e na obra, era que aquela arquitectura fosse o renascimento da casa burguesa do séc.XIX à luz do nosso tempo. Ou seja, o nosso único ímpeto, enquanto autores (embora não o soubéssemos na altura), era a ‘modernidade permanente’ de que nos fala Távora.
Se os princípios do brutalismo serviram esta demanda (a esta distância e com a lente que este livro nos oferece, parece-nos que sim), então esta casa, além de burguesa e do séc. XIX, é, ainda, brutalista e do séc.XXI.
Parece que os ingleses voltaram a encontrar-se no Porto.
















As fotografias são da autoria de Fernando Guerra. A reportagem completa pode ser vista no site do fotógrafo.
Casa do Conto
ultimasreportagens.com
https://ultimasreportagens.com/reportagem/568-hotel-casa-do-conto-porto-pt-pedra-lquida/
A obra tem vindo a ser publicada. Entre outras, enumeramos as seguintes publicações:
— Casa do Conto Arts & Residence, in Porto Brutalista (Pedro Baía, Magda Seifert ed.), Porto, Circo de Ideias, 2020, p.264-271.
— Casa do Conto Arts & Residence, in Guia de Arquitectura do Porto/Porto Architectural Guide 1942-2017 (Michel Toussaint, João Paulo Rapagão ed.), Lisboa, A+A Books, 2018, p.155.
— Casa do Conto Arts & Residence, por Jorge Figueira, “Do Românico ao Minimalismo: Os Caminhos da Intervenção Patrimonial em Portugal “, in Revista Património #1, Novembro 2012, p.16-23.
— Casa do Conto Arts & Residence, in Pedra Líquida, Casa do Conto – História 1 + Casa do Conto – História 2 (ed. José Manuel das Neves), Lisboa, Uzina Books, 2011.
— Casa do Conto Arts & Residence, “Reabilitações Urbanas”, in arq/a 93, Maio-Junho 2011.
— Casa do Conto Arts & Residence, in Habitar a Cidade / Living City (ed. José Manuel das Neves), Trueteam, 2009.
- Cliente Hotel Casa do Conto
- Localização Porto, PT
- Programa Hotel
- Ano 2010
- Arquitectura Joana Couceiro, Alexandra Coutinho com Pedra Líquida
Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Nunc vulputate libero et velit interdum, ac aliquet odio mattis. Class aptent taciti sociosqu ad litora torquent per conubia nostra, per inceptos himenaeos.